11.11.11

Ornitorrinco #17 - Bufunfa


OLHA-LÁ



Tem muita coisa que eu não entendo sobre dinheiro, a saber:

I.      Como ele pode ser tão relativo (cruzeiro, cruzado, real) e absoluto (ovo, cama, água, sabão).
II.    Como pequenas despesas variadas podem somar R$2.549 na conta do cartão.
III.  Como tanta gente vive com tão pouco - haja imaginação!
IV.    Como tanta gente vive com tanto - haja imaginação.

Mas o que mais me intriga é:

Por que cargas d'água é feio falar sobre dinheiro?

Razões históricas à parte, não consigo entender que num mundo que gira tanto em torno dele, um mundo no qual por mais que se questione o valor excessivo dado a ele é impossível questionar sua importância na vida cotidiana, por que é que nesse mundo segue sendo feio falar de dinheiro?

Por que o constrangimento em negociar salários?
Por que a vergonha em assumir quando se está realmente duro?
E por que não dizer quando se está ganhando bem?

É feio falar sobre dinheiro, e a gente entuba as dificuldades e as alegrias que ele traz, e se ferra ganhando menos do que merece porque é feio falar sobre dinheiro.

Porque é feio falar sobre dinheiro a gente diz "tudo bem" quando avisam que a grana daquele trabalho vai atrasar, e não diz "Querida, é que meu condomínio vence amanhã, e as contas de luz e gás, e a minha conta tá zerada, e eu dependo dessa grana pra me manter esse mês, então não, não tá tudo bem", porque ora bolas, quem é que precisa de dinheiro?

Quem é artista então sofre mais - pressupõe-se que se o seu trabalho é criativo e você ama o que faz não é preciso receber.

Então o técnico de som é pago, o iluminador, o caixa do bar, o garçom... Mas e o cantor? O ator, o poeta, o DJ? Olha como ele tá se divertindo!

Às vezes parece que a gente trabalha só porque gosta e o dinheiro é bônus track.

Não, não é.

Trabalho é trabalho, talento é talento. Amor pelo que se faz é sorte.

E o dinheiro é a cenoura estendida na frente do nariz tantas e tantas vezes, porque no pote de ouro no fim do arco-íris moram a viagem sonhada, a parcela do apê, o vestido novo ou o jantar naquele restaurante.

Pra além de "Como o Rio anda caro!" e de "Nossa, como eu tô dura" - frases cotidianas da minha geração - o dinheiro devia ser assunto: Como você ganha? Como você gasta? Como você guarda?

Quero trocar dicas de investimentos como trocamos de bares ou de artistas novos pra conhecer. Conversar sobre grana com meus filhos e pensar juntos em como usá-la.

Falar sobre dinheiro, como o que ele é, um pedaço importante da vida, não a sua razão, não uma bobagem, não a engrenagem mas a gasolina, não o desenho mas o compasso, não o poema nem as palavras – papel e caneta, página em branco pra gente escrever.


|Maria Rezende

(tá, eu sei, ando abduzida pelo mundo animal e nada de poemas nem notícias nem nada que não sejam os textos do zine. mas ai, tem sido tão bom escrever assim, com data e tema e esse povo bacana junto que mesmo sem ganhar um tostão a gente escreve e fica feliz. assinem que é de graça.)

Um comentário:

Iaceê disse...

Falar em dinheiro é ruim, porque quase ninguem tem... Falar é ruim porque pode despertar todos os desejos e necessidades e ser obrigada a deixar pra lá, porque nesse mês não vai dar... rsrs