3.2.13

A verdade sobre nossos cacos

"O que eu poderia dizer a você, Catarina? A verdade? A verdade você já sabia, você tinha acabado de descobrir. As pessoas quebram. Até as meninas quebram. E, se as meninas quebram, você também pode quebrar. E vai, Catarina. Vai quebrar. Talvez não a perna, mas outras partes de você. Membros invisíveis podem fraturar em tantos pedaços quanto uma perna ou um braço. E doer muito mais. E doem mais quando são outros que quebram você, às vezes pelas suas costas, em outras fazendo um afago, em geral contando mentiras ou inventando verdades. Gente cheia de medo, Catarina, que tem tanto pavor de quebrar, que quebram outros para manter a ilusão de que são indestrutíveis e podem controlar o curso da vida. E dão nomes mais palatáveis para a inveja e para o ódio que os queima. Mas à noite, Catarina, à noite, eles sabem.

Viver, Catarina, é rearranjar nossos cacos e dar sentido aos nossos pedaços, os novos e os velhos, já que não existe a possibilidade de colar o que foi quebrado e continuar como era antes. E isso é mais difícil do que aprender a andar e a falar. Isso é mais difícil do que qualquer uma das grandes aventuras contadas em livros e filmes. Isso é mais difícil do que qualquer outra coisa que você fará."


Eliane Brum é das escritoras que eu mais gosto de ler esses tempos. Devorei seu poderoso romance "Uma, duas" num fim-de-semana, porque apesar da dureza e da angústia em cada página a prosa dela flui e leva a gente pela mão, de uma vez. Pra nossa sorte, toda segunda-feira ela escreve no blog da Revista Época, e faz uma mistura de entrevistas incríveis, reflexões intrigantes, sempre com um olhar surpreendente e inusitado. O texto dessa semana, "A menina quebrada", é uma porrada doce e poética sobre como a gente quebra e fica marcada e como a vida é justamente o aprendizado de lidar com os cacos e as cicatrizes. Lindo e emocionante.

Aqui ó.

Um comentário:

Anônimo disse...

Descobri você hoje, no canal curta, anotei seu nome e fui pra internet, aqui, descobri o seu blog Maria da poesia. Depois de alguns minutos navegando por ele, leio "A verdade sobre nossos cacos" que de modo atraente, despido veio complementar uma conversa interessante da ultima madrugada. Gostei muito.

Agripas de Andros